São cada vez maiores as pressões sobre o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), por conta da demora do estado em criar a sua comissão da verdade para investigar os crimes cometidos pelas forças oficiais de repressão durante a ditadura militar. A demora acontece porque Cabral decidiu não criar a Comissão Estadual da Verdade por decreto, como fizeram outros governadores, e delegou à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) a tarefa de aprovar uma lei nesse sentido.
Após algumas tentativas, no entanto, a maioria governista da Alerj não permite que o projeto de lei seja votado em plenário, fato que tem causado irritação em entidades da sociedade civil, na Comissão Nacional da Verdade (CNV) e até mesmo no Palácio do Planalto.
No fim da tarde de hoje (26), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, Wadih Damous, tem uma reunião com Cabral durante a qual pretende expor o descontentamento da entidade com a demora na instalação da comissão: “Nós vamos pedir a interferência do governador, já que estou tentando ser recebido pelo presidente da Alerj, deputado Paulo Melo (PMDB), há quase um mês e não consigo uma audiência com ele. Vou tentar sensibilizar o governador para que o Rio de Janeiro não fique na rabeira da fila entre os estados que já criaram suas comissões e estão mais avançados institucionalmente”, diz.
Damous considera que a falta de uma comissão estadual no Rio dificulta o trabalho da CNV: “O governador e todos nós sabemos que o Rio foi o principal centro da repressão política à época da ditadura. Pessoas de outros estados eram sequestradas e trazidas para serem torturadas aqui. Por isso, é moralmente obrigatório que o Rio tenha sua comissão da verdade. Esse é a mensagem que vou levar ao governador. Tenho certeza de que ele vai se sensibilizar e que na próxima sessão da Alerj teremos finalmente a aprovação da lei que cria a comissão da verdade aqui no nosso estado”.
Membro da CNV, o ex-procurador geral da República Cláudio Fonteles também manifestou incômodo: “Eu, que sou carioca, lamento. Gostaria muito que isso [a criação de uma comissão estadual da verdade] acontecesse aqui no Rio, e nós da CNV temos incentivado fortemente. Gostaria muito que o governador Sérgio Cabral e os deputados se sensibilizassem e se unissem para criar imediatamente essa comissão estadual”, diz.
Fonteles, que ontem (25) participou no Rio da audiência pública “Memória e Verdade”,convocada pelo Ministério Público Federal, concordou que, sem as comissões estaduais, o trabalho da CNV fica prejudicado: “A CNV tem um mandato de dois anos. Então, nós vamos terminar os trabalhos por imperativo legal, mas temos que manter esse tecido vivo. O caminho para isso são as comissões estaduais, que têm prazo maior, ou as comissões da sociedade civil, que não têm prazo para terminar.”
A preocupação com o aparente desinteresse do Rio de Janeiro em criar sua comissão estadual já teria ecoado até mesmo no Palácio do Planalto. Durante a audiência pública no Rio, uma pessoa próxima à Dilma Rousseff afirmou que a presidenta já fez chegar ao governador uma mensagem afirmando o desejo de ver a comissão aprovada rapidamente na Alerj.
Fator Bolsonaro
Na reunião de hoje, Wadih Damous vai pedir a Cabral que enquadre politicamente o presidente da Alerj e a base governista para que aprovem com rapidez a criação da comissão: “Presumo que seja uma mistura de desinteresse com questões de natureza política. Há um deputado estadual, filho de um famoso deputado federal que nós sabemos ter ojeriza à democracia, que sempre pede verificação de quórum. Depois que faz isso, a base se retira e nunca ocorre a votação. Basta ter vontade política, que a lei será aprovada”, diz o presidente regional da OAB.
Damous faz referência ao deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP), filho do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), ex-capitão do Exército e notório defensor do período da ditadura. Recentemente, Bolsonaro se referiu à CNV em plenário como “comissão de patifes”, e desde a abril é alvo de um processo disciplinar, aberto a pedido dos deputados que integram a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara, por “tentar impedir com ofensas e intimidações às testemunhas” o funcionamento da Comissão Parlamentar da Memória, subordinada à CDH.
Fonte: Rede Brasil Atual
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