O ruim sempre pode piorar
Por Venício A. de Lima em 27/11/2012 na edição 722 do Observatório da Imprensa
Apesar do trabalho desenvolvido há décadas por pessoas e/ou entidades
da sociedade civil, e apesar do inegável aumento da consciência coletiva
sobre a centralidade da mídia na vida cotidiana, não tem havido
resposta correspondente dos poderes da República no sentido da proposta
e/ou implementação de políticas públicas que promovam a universalização
do direito à comunicação em nosso país.
Ao contrário. Ações que representariam avanços relativos, muitas vezes,
não são cumpridas, se descaracterizam ou se transformam em
inacreditáveis recuos – alguns, com apoio em decisões do Judiciário.
São muitos os exemplos. O principal deles é certamente a própria
Constituição de 1988, cuja maioria dos artigos relativos à comunicação
social não logrou ser regulamentada decorridos 24 anos de sua
promulgação.
Outros, não menos importantes, incluem:
>> O decreto que criava o serviço de retransmissão de TV
institucional (RTVIs), que foi revogado dois meses depois (2005);
>> O resultado do trabalho de duas comissões criadas no âmbito do
governo federal para propor uma nova regulamentação para as rádios
comunitárias (GT 2003 e GTI 2005), que nunca foi levado em conta;
>> O primeiro decreto sobre o modelo de TV digital (2003), que
foi substituído por outro apontando para a direção inversa (2006);
>> O pré-projeto que transformava a Ancine em Ancinav (2004) que
nunca chegou sequer a se tornar projeto, mas seus opositores foram
contemplados com a criação do Fundo Setorial do Audiovisual (2006) e,
mais recentemente, com a polêmica Lei 12.485/2011;
>> As diretrizes originais para a comunicação constantes da primeira versão do III Programa Nacional de Direitos Humanos, PNDH3
(2009) foram alteradas menos de cinco meses depois por novo decreto
(2010): excluíram-se as eventuais penalidades previstas no caso de
desrespeito às regras definidas; e exclui-se a proposta de elaboração de
“critérios de acompanhamento editorial” para a criação de um ranking
nacional de veículos de comunicação.
>> A convocação e realização da 1ª Confecom – Conferência
Nacional de Comunicação, que produziu mais de 600 propostas que jamais
saíram do papel (2009);
>> Os três decretos que finalmente geraram um anteprojeto de
marco regulatório para a comunicação eletrônica (2005, 2006 e 2010) que
nunca se tornou público
E por aí vai.
Temas recorrentes
Há de se registrar ainda decisões do poder Judiciário como:
1.A improcedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) que sustentava a inconstitucionalidade de
quatro artigos do decreto 5820/2006 (TV Digital);
2.A não regulamentação do “direito de resposta” em função da inconstitucionalidade total da antiga Lei de Imprensa;
3.O estabelecimento de uma hierarquia de liberdades que privilegia o direito das empresas sobre o direito do cidadão; e,
4.A recente criação de um Fórum Nacional do Poder
Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça –
onde terão assento as principais entidades representantes da grande
mídia – com o objetivo de monitorar as ações judiciais que envolvem o
que tem sido chamado de “censura judicial”. Na prática, mais uma
proteção à liberdade das grandes empresas de mídia em detrimento do
direito do cidadão.
Muitas dessas questões têm sido tratadas neste Observatório mais de uma vez, ao longo do tempo. Não há qualquer novidade nisso.
Os conselhos de comunicação
Há, todavia, um exemplo que merece referência especial pela constatação
da incrível impotência de atores da sociedade civil – inclusive, de
partidos políticos e parlamentares – além da imensa frustação que
representa para aqueles que lutam pela universalização da liberdade de
expressão no nosso país: os conselhos de comunicação.
A história é conhecida, mas vale um breve resumo. Ponto principal de
disputa na Constituinte de 1987-88, a criação de uma agência reguladora
nos moldes da FCC americana se transformou, na undécima hora, no
Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional
(artigo 224). Regulamentado por lei em 1991, só foi instalado 11 anos
depois, em 2002. Funcionou por quatro anos e ficou desativado por cerca
de seis anos. Recentemente foi reinstalado de forma autoritária e sob
protesto da Frentecom e do FNDC. Sua composição não traduz a ideia da
Constituição de 1988, de um órgão plural com representação diversa. Há
um claro predomínio de interesses empresarias.
Na primeira sessão do novo CCS, um representante da grande mídia propôs
reduzir suas funções regimentais para que sua ação de assessoramento se
restrinja apenas às demandas do Congresso Nacional, excluindo, por
exemplo, a possibilidade de debate e encaminhamento das propostas
aprovadas na 1ª Confecom.
Nos 10 estados (e no Distrito Federal) onde as Constituições e a Lei
Orgânica preveem conselhos estaduais de comunicação – a exemplo do CCS
–, até hoje apenas na Bahia ele foi instalado (2012) e, mesmo assim, com
funcionamento precário.
Em pleno século 21, na contramão de países vizinhos e das democracias
liberais consolidadas, permanecemos praticamente sem um único espaço
democrático institucionalizado onde questões relativas à universalização
da liberdade de expressão possam ser sequer debatidas.
No Brasil, no que se refere à regulação democrática da mídia, o ruim pode sempre piorar. E tem piorado.
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